domingo, 20 de dezembro de 2015

Deixar

Verbos.  Eu os amo. Ligam um sujeito a seu caminho, traduzem emoções, mandam, sugerem, evocam polidez. E há, para mim, um que faz o tempo pingar e não escorrer. Deixar é o seu nome. Bateu na minha porta recentemente. Pediu, com seu jeito alegremente descompromissado, para entrar. Não tive como recusar e o permiti caminhar comigo. 
Ao seu lado, acabei deixando meu medo de cair de bicicleta. Sob incentivos constantes e firmes do cara mais destemido que conheço, fui, pedalada por pedalada, descobrindo ruas estreitas de prédios pequenos com janelas quase sempre fechadas, que, quando abertas, ora exibiam tímidas flores, ora roupas a secar, ora cortinas rendadas, quase sempre me colocando a imaginar o que escondiam. Aprendi que o frio sob uma bicicleta tem graus a mais, sim, mas tem o poder de tocar cada poro do rosto como nenhuma outra coisa é capaz.
Deixei também numa lata de lixo da esquina, o medo que meus filhos experimentassem o mundo. Meus pequenos percorreram também em bicicletas, à noite e no frio, as ruas de Bordeaux e, como eu, puderam sentir o vento gelado lhes cobrir as bochechas de beijos.
Deixei como nunca imaginei o nojo da sujeira da minha privada. E descobri outros tantos caros verbos como cuidar, limpar e brilhar. 
Deixei ficar, agora, nos dedos, o cheiro do alho e da cebola pra rascunhar essas pensamentos desalinhados.
Tenho ainda muitos medos, receios, nojos e cheiros pra DEIXAR em algum canto. Os que já ficaram para trás deixaram minhas costas suficientemente livres para sentir em conta gotas o abraço que o vento é capaz de dar.

2 comentários:

  1. Fico feliz que você se deixou viver, se deixou descobrir e apaixonar. Mas deixar aqui é trazer pra perto, não abandonar. Cada momento dessa experiência estará em você pra sempre. Deixa ficar.

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