sexta-feira, 10 de maio de 2013

O tamanho de um pai


Na última segunda, adornei meu cabelo com uma flor branca e coloquei o pé na estrada em companhia do meu marido pra fazer uma coisa que amo desde bem novinha: ir a um show de rock. Desta vez não era um show qualquer. Era o show do Paul McCartney, aquele moçinho, hoje senhor, de feições delicadas. Feições que provavelmente inspiraram a flor branca que escolhi para o meu cabelo.

O show foi mesmo delicado. Fez o que eu acho que a música deve fazer: reverberar. Era noite, mas se podia sentir luz indo e vindo das pessoas. Nessa onda “amorosa”, um amigo tocou no meu ombro, ao som de “Hey Jude”, e pediu que eu tirasse uma foto dele com o pai. Meu amigo estava visivelmente emocionado e no canto dos meus ouvidos disse: “tudo o que eu sei sobre música aprendi com esse cara, que faz cinquenta anos que ama Beatles”. Foi impossível não ficar com os olhos inundados de lágrimas. Na hora pensei no meu velho pai, que, desde bem pequena, eu via os olhos marejar ao ouvir o Chico Buarque cantar Construção. Não é à toa que a frase “morreu na contramão atrapalhando o tráfego” vez ou outra vem à minha cabeça, às vezes com, às vezes sem nenhuma conexão com o que estou fazendo ou sentindo. O que faz sentido é que a frase “morreu na contramão atrapalhando o trafego” casa o com o discurso “vermelhinho” do meu pai, que mesmo não conseguindo me fazer petista de carteirinha cravou em mim aquele olhar que procura algum tipo de conforto para os que nunca tiveram conforto algum e podem morrer na “contramão atrapalhando o tráfego”. Chuto aqui que o pai do meu amigo, ao ouvir os Beatles pronunciarem “take a sad song and make it better”, passou tanta emoção ao pequeno filho, que fez dele um homem que hoje transforma pedra em caminho.

Meu pai, o pai do meu amigo são aqueles tipos de pais que ocuparam um tamanho bom na vida dos filhos. Porque há pais que fazem sombra tão gigante nos filhos, que os deixam mesmo a viver em sombras. Lembro-me agora de Kafka dizendo em Carta ao pai, que seu pai ocupou quase todo o mapa do mundo e que lhe couberam alguns poucos espaços, nos quais ele mal soube existir. E os pais pequenos paradoxalmente produzem tão pouca sombra, que deixam seus filhos com a eterna sensação de estarem à deriva. Assim, pai de tamanho bom é que aquele que deita no mapa junto com o filho. As sombras que se veem são as de um no outro. Fácil, então, seguirem de mãos dadas a um show de “rock in roll” pra sentir lá no fundo do coração a música cantada pelo Paul McCartney, que desconfio também ter tido um pai de bom tamanho, nem tão grande, nem tão pequeno.

4 comentários:

  1. Perfeito Mari! Meu pai também tinha e ainda tem o tamanho certo. Por isso, acho eu, que faz tanta falta.
    Beijocas e MUITAS saudades
    MARI

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    1. Nem fala Mari! O seu pai pra mim é aquele médico sonhador, aquele pai que segura a mão do filho de forma forte e serena. Escrevo no presente porque eu me lembro dos olhos azuis dele, ainda muito vivos.

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  2. O Maurilio eu nao tenho a menor duvida, eh o tamanho exato!!!! Bjs pra vc e pra ele!

    Zu

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    1. O curioso é que Flávia, minha irmã, ao ler o post disse que ela sentia o mesmo que eu. Bom, né! Mamãe disse que quando ele leu o post chorou que nem criança!

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