sábado, 6 de abril de 2013

Saudade de felicidade


Durante a semana que passou recebi uma avaliação do meu filho. Em uma das partes da avaliação ele tinha que falar sobre o que mais gostava em mim, quando se colocou a contar à avaliadora que adorava quando eu lia livros para ele na hora de dormir. No meio da conversa, deu detalhes de uma história que eu havia lido para ele uma única vez.

A historinha, que conheci no dia que li para meu filho, falava de uma menina que tinha um pássaro de penas coloridas que vivia numa gaiola, cuja portinha sempre ficava aberta. O pássaro voava para onde queria e ao voltar à gaiola trazia para a menina uma novidade diferente do mundo. Mas a menina, a cada vez que o pássaro voava para longe, chorava muito.  Desesperada, resolveu prendê-lo na gaiola. Não funcionou. O pássaro engaiolado passou a ficar cada dia mais triste. Suas penas coloridas foram ficando cinzas e chegou um dia em que ele parou de cantar. A menina só, então, entendeu que precisava soltá-lo. E o soltou. Sentia saudade quando o via partir e ficava imensamente feliz quando ele voltava colorido com sua cantoria sobre o mundo.

Rubem Alves fez essa história para uma criança que viu chorar ao se despedir de alguém. Fez também a história para a menina que vive em mim. Os livros são mesmo assim. São feitinhos de vivências e ideias pessoais que acabam por encontrar morada em gente de algum lugar, de algum tipo, com cinco ou trinta anos de idade.

No meu caso, o tal livro foi daqueles que aconchegou de jeito emocionado no meu peito. É que há alguns poucos anos eu, achando tomar a decisão mais acertada do mundo, convenci meu marido a fazer um mestrado para ficar todo o tempo em Brasília. Pensei que nesse período seria também fácil convencê-lo a mudar de estilo de trabalho, fazendo talvez um concurso público que o deixasse de vez por aqui. Acreditava ser a fórmula perfeita para não mais ter que lidar com idas e vindas, aeroportos constantes, partidas doloridas, choros desesperados do meu pequeno filho vendo o pai partir quase que constantemente. É verdade que com o mestrado seguiu-se um tempo de raras despedidas. Não sei bem se ali se sentiu menos saudade, porque o meu marido foi mudando de textura. Suas penas foram ficando acinzentadas e a fraqueza tomando conta dele até não mais cantar uma só música. E aí bateu a saudade de vê-lo feliz. Tive que, como a menina do Rubem Alves, abrir a porta da gaiola de casa. Meu marido voltou a ir e vir. Afinal, com desejo não se pode brincar de prender. É preciso deixar partir quem ama voar. Só que sustentar o desejo do outro é tarefa das mais difíceis. Quantas e quantas vezes interpretei o desejo de estar no mundão como falta de amor. A sorte é que a idade vem me mostrando que amar é pessoal demais. Assim, ando conseguindo entender melhor o vai e vem do meu parceiro de vida. Eu sei que meu filho, ao vê-lo partir, às vezes chora muito, às vezes chora pouco, às vezes nada chora. Só que quando o pai chega, ele sempre e sempre e sempre fica muito feliz. E entre os dois, por aqui, há sempre e sempre e sempre muita alegria. Muito mais alegria que tristeza. Já eu nem sempre fico tão feliz. Não sou tão sábia quanto meu filho e a menina, que sabem que amar é deixar livre. Confesso que, vez ou outra, fico querendo o pássaro lá na minha gaiolinha, todo santo dia. Quem  sabe um dia eu chego lá, lá no lugar onde a saudade se encontra com a felicidade, que “é só uma questão de ser”, como canta Marcelo Jenesi.
http://www.youtube.com/watch?v=s2IAZHAsoLI

2 comentários:

  1. Estou sempre por aqui .. lendo e relendo ... Obrigada por nos presentear com textos divinos, de vida, amor, medo e felicidade.
    Me vejo em todos os textos, vejo meus filhos, vejo sentimentos que vivi e muitos que vivo.
    Que bom que vocês existem !! E que dentro de vocês existe toda esta sensibilidade.
    Beijo imenso as duas meninas

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  2. Obrigada Simone! É um movimento de dentro para fora e de fora para dentro (nem sempre na mesma ordem), que me faz estar aqui escrevendo. Tão bom saber que esse movimento gira em você... Super beijo!

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