quarta-feira, 13 de março de 2013

Você tem tempo de quê?

Há tempos estou engasgada com um post sobre o tempo - é que não tem dado tempo!
E começo aqui já tropeçando num pensamento meio dolorido que tenho tido ultimamente sobre essa história de tempo: ter tempo ou não ter tempo pra alguma coisa é muito mais uma questão subjetiva do que objetiva. É mais psicológico do que cronológico.
Me dói porque manda pro beleleu uma das mais eficientes desculpas pra tudo: não tenho tempo, não deu tempo, não vai dar tempo. Nesse mundo nosso estupidamente apressado e atarefado quem vai duvidar?
Mas, desculpa desmentida, lá vou eu ter que me haver comigo mesma: o que quero-quero-mesmo, o que penso-que-quero-mas-não-quero, o que quero-mas-não-queria-querer, o que não-quero-mas-acho-que-deveria, o que quero-mas-me-dá-medo-conseguir, o que não-quero-mas-vou-fingindo, o que quero-porque-querem-pra-mim... E por aí vão os quereres todos, tão escamoteados quanto decifráveis na forma como ajeito as democráticas 24 horas dos meus dias.
Não é que não exista, óbvio, o tempo físico, concreto, alheio às paixões e vontades - esse com quem sentamos pra negociar a toda hora. E também não é verdade que somos tão donos do nosso tempo assim a ponto de que o que fazemos dele estar sempre a falar da gente. Claro que não. As tantas imposições da vida, o pão nosso de cada dia, as exigências que vêm de todos os lados, tudo isso nos força a agendas que, na maioria das vezes, saem bem mais lugar-comum do que autorais.
Mas falo das brechas, da forma como colocar limites ou não nas obrigações, das coisas complexas que nem pestanejamos em fazer na mesma hora e do que é tão simples e banal e que, sem saber explicar, protelamos o máximo.
Falo da própria capacidade ou incapacidade de organizar o tempo (pode ler "organize-se em dez lições" quantas vezes quiser, fazer o curso que quiser, chamar a pessoa que quiser pra organizar sua casa e seu armário: se uma certa desorganização interna não se quebrar, a gente não se organiza externamente nunca).
Falo das metas que são cumpridas sem nenhum drama e daquelas de uma vida inteira que, sai ano, entra ano, ainda têm a cara de pau de entrar nas nossas listinhas de ano-novo.
Falo da academia que a gente abandona antes de cair o segundo cheque; falo da pessoa que "adoramos", mas que nunca encontramos meia hora pra estar com ela. Falo da carreira que não pode parar pra você ter o filho que "quer tanto".
Falo do tempo que você voa no trabalho, porque simplesmente não consegue se concentrar. Do almoço longo que você faz com a amiga na mesma semana em que o pedido de exame de sangue venceu pela terceira vez pela sua "absoluta falta de tempo".
Falo do concurso que você "dava tudo" pra passar, mas, quando vê, não consegue abrir mão de estar na night todo final de semana.
Falo da novela em que você gruda todo dia, ao mesmo tempo em que, no intervalo, sofre com a geleira que seu casamento está se tornando por "falta de tempo".
Ou da terapia que você "quer tanto" começar pra ver mais de perto um monte de coisa, mas que, imagina, uma hora inteira por semana pra isso - mesmo que suas unhas nunca passem mais do que isso sem ver o salão. Daquela ligação que você não consegue nunca fazer e daquele email que cria teia de aranha no seu inbox sem responder. Já falei da pilha de livros intocados que se acumulou no criado-mudo?
Enfim, são zilhões os exemplos dessa nossa relação meio cínica e atabalhoada com o tempo e, especialmente, com o contratempo.
Todos flagrantes a mostrar que, mais do que relógios, o que escala mesmo o nosso tempo (e, consequentemente, a sensação que se tem de sua quantidade ou velocidade) é algo muito mais escorregadio e indomesticado: os nossos desejos, desde os mais íntimos até os mais anunciados, os conscientes, os inconscientes (principalmente), os que conhecemos desde criancinha e os que nos causam uma estranheza enorme.
Por exemplo, desde que começamos esse blog já ouvi trocentas vezes a pergunta de como eu tenho tempo pra isso, mesmo com tudo o que tem rolado ultimamente (filhos pequenos, trabalho puxado etc.) Tempo? Não, não tenho tempo. O que tenho é febre (de escrever). E febres não pedem uma hora para nos acometer. Quando a gente vê, pronto, tem algo na cabeça que pede pra ser rabiscado e acaba sendo nas horas mais improváveis (como esse, no meio de um chá de cadeira do médico).
Pra quem sabe rir de si mesmo, chega a ser cômico como as coisas acabam nos saindo a despeito de toda a nossa racionalização e intenção.
Se me arrepio um pouco com essa irremediável falta de controle, mais no fundo vibro: é bom saber dessa nossa rebelida; de ver quem manda em quem. Não adianta, as nossas ordens internas são sempre soberanas, prometam o que prometerem aos bem comportados. E, pra quem tenta se domar custe o que custar, avise-se: quando descarrilhar (porque é certo que vai), segura, porque a força descomunal que se fez para um lado costuma ser diretamente proporcional ao tamanho do tombo que se leva pro outro.
Não é que cure esse lamaçal da aparente falta de tempo, mas dá uma certa paz, ou resignação vá lá, saber que o que falta, na grande maioria das vezes, nao é tempo, mas sim a mais bacana das audácias que é ser exatamente quem se é, querendo assumidamente o que se quer. Ir de corpo e alma atrás dessas charadas é, então, disparado, o que de mais precioso podemos fazer com o nosso tempo - ou melhor, com a "falta" dele.





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